É possível uma Psicanálise online?
A trajetória inicial da Psicanálise está intrinsecamente conectada à virtualidade. As notáveis cartas de Freud para o médico e amigo Flies não apenas moldaram um processo de autoanálise, mas também desempenharam um papel crucial no desenvolvimento do corpo teórico clínico da Psicanálise.
Muitas supervisões e intervenções terapêuticas de Freud com seus orientandos e pacientes ocorreram através de correspondências.
Devido às circunstâncias do final dos séculos XIX e XX, que tornavam os encontros presenciais raros e custosos, a carta escrita era o meio virtual predominante da época. Essas correspondências não apenas deram forma e consistência às teorias que necessitavam de interlocutores críticos, mas também sustentaram relações de amizade e boa parte da vida amorosa, representando a forma mais primordial de virtualidade na presença do outro.
A introdução do telefone no final do século XIX revolucionou a comunicação, permitindo a transmissão de voz à distância e promovendo uma comunicação mais rápida e acessível. Psicanalistas que precisavam percorrer longas distâncias para realizar sua formação encontraram no telefone uma alternativa viável para dar continuidade ao seu processo analítico, bem como para realizar supervisões. Pacientes que precisavam ficar fora da cidade do analista ou até mesmo do país encontravam no telefone uma solução para manter a análise durante esses períodos.
No entanto, ao longo da história, a análise à distância ocupou por muito tempo uma posição de alternativa, permanecendo "à margem" em relação aos atendimentos presenciais. Estudos sobre o tema revelam a existência de ambivalência e resistência no campo analítico. Talvez porque na virtualidade, parte da posição idealizada do analista e do cenário analítico se desfaz.
Mais recentemente, em 2020, diante das contingências desse período, fomos convocados a nos adaptar e a lançar mão de recursos tecnológicos para continuar oferecendo suporte aos pacientes. A partir desse momento, iniciou-se uma significativa produção de artigos científicos e debates sobre o tema em lives e podcasts, solidificando a presença permanente da virtualidade em nossa prática.
O Psicanalista Fabio Belo (2020), em suas pesquisas para o livro “A Clínica Psicanalítica Online,” afirma que é possível organizar e manter o setting analítico sem a presença física do analista e do paciente. Existem outras condições mínimas necessárias para o estabelecimento de uma análise, condições que são perfeitamente viáveis no ambiente virtual. Tais condições incluem as recusas do analista, um certo tipo de atenção e a adesão por parte do analisando a um método específico de fala, como a associação livre. (Aprofundarei esse tema em outro texto).
Observa-se que, para além do estudo constante da teoria, da organização e manutenção do enquadre por parte do analista, é crucial que haja, antes de tudo, uma sustentação fornecida a partir da ética do cuidado, que pode ser facilmente transposta para o campo do atendimento virtual. Este suporte não apenas mantém a integridade do processo analítico, mas também ressalta a importância de uma abordagem consistente e sensível, mesmo quando conduzida à distância.