O Imprevisto
Passar um dia na praia, esse era meu plano após organizar as coisas da minha mudança. Para me certificar de que tudo sairia perfeito, na noite anterior, consultei o aplicativo do celular, que previa um dia ensolarado.De fato, acordei com um céu lindo. Decidi explorar uma praia próxima, a poucos minutos de carro dali. No entanto, ao chegar, encontrei o lugar coberto de névoa...
Sem entender o que se passava, esperei alguns minutos, mas, querendo ser prática, encaminhei um áudio para uma amiga que mora aqui há muito tempo. Contei o que estava acontecendo e perguntei se a névoa poderia dissipar ou se, quem sabe, na praia que fica do outro lado da montanha, poderia haver sol...
E ela me entregou uma resposta direta e muito afetuosa:
Mais espaçamento entre frase:
“Aninha, tu veio morar numa ilha e aqui o clima muda o tempo todo.”
Pensei: “Pois bem... uma intervenção analítica nessas horas da manhã!” Ela nem imaginava que havia tocado num assunto que já rendeu muitas sessões de minha análise... Eu, agindo de acordo com minha neurose, esperava uma resposta cheia de detalhes com orientações específicas do que fazer. Mas me dei conta de que chegou a vez de apenas colocar em prática o que aprendi com minha analista:
Aceitar...
Inventar outra saída...
Ou apenas esperar...
Assim é a vida; por mais que tenhamos fatores controláveis, outros nos escapam da previsibilidade...
Freud nos dizia que nascemos em estado de desamparo e de total dependência em relação ao outro. Nesses inícios de vida, estamos fusionados com o adulto que desempenha a função materna. Por imaturidade biológica e psíquica, não conseguimos discernir a existência desse outro externo.
Logo, nos encontramos numa posição de onipotência primitiva; se sentimos fome, por exemplo, ela é saciada “magicamente”, como se fôssemos autossuficientes (“autoalimentantes”, “autolimpantes”), o que causa uma sensação de completude plena.
Afinal, não é maravilhoso ter um aplicativo, que nos diga que vai fazer sol? Não é uma onipotência pensar que a gente sabe, e que controla a partir da previsão do tempo o clima de uma Ilha inteira?
No decorrer da vida, com maior ou menor intensidade, de acordo com nossa história, seguimos nos defendendo inconscientemente do desamparo das origens, tentando resgatar essa sensação de onipotência.
Neuroticamente, o controle nos tranquiliza; diante de situações em que nos vemos “no aperto”, manter as coisas previsíveis acalma a ansiedade temporariamente. Por outro lado, muitas vezes pagamos o preço de uma vida impedida, chata, sem tantas nuances ou variações de ritmo. Isso nos impede de desfrutar da vida com maior fluidez...
Para a Psicanálise, é justamente na angústia, no “aperto”, no “não saber” que encontramos a maior preciosidade. Ao invés de dizermos ao paciente o que ele precisa fazer (o que poderia armar mais defesas), propomos questionamentos. Pois, é justamente nessa brecha, nesse intervalo, que se abre espaço para o paciente se apropriar do que se passa consigo e, assim, de usar de sua criatividade para improvisar, para encontrar novas saídas a partir de dentro de si.
Dentre tantas coisas, é isso que se trabalha em Psicanálise: a promoção de uma maior maleabilidade psíquica. Quanto mais o sujeito está amparado em si, maior será sua liberdade interna.